Precarização nos vínculos trabalhistas dos empregados que combatem o COVID-19 na linha de frente

  • Post category:Trabalhista

Como ferramenta para conseguir suportar e atenuar os efeitos alastradores do novo coronavírus, no âmbito do sistema de saúde publica foram recrutados profissionais da saúde de diversas categorias, que são essenciais diante da alta demanda nos hospitais de campanha e Unidades de Pronto Atendimento (UPA’s).

Precarização nos vínculos trabalhistas

Ocorre que a forma de contratação desses profissionais é alvo de uma polêmica[1] medida de terceirização, por meio da escancarada prática da pejotização, pois para que um indivíduo exerça o seu labor, empresas interpostas contratadas pelo Estado fazem exigências como a constituição de uma pessoa jurídica ou até mesmo a proposta de participação em sociedade empresarial para que, este trabalhador, consiga ocupar o posto de trabalho.

Essa prática é condenável, considerando que a relação que impõe ao indivíduo a constituição de uma empresa para efetiva atuação como empregado, em sua forma típica prevista na legislação trabalhista, é, sem dúvidas, uma fraude ao vínculo trabalhista, às leis e aos princípios que regem as relações trabalhistas.

Na prática, significa que o interessado no posto de trabalho deverá ser inscrito no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ), e financeiramente possui a falsa sensação de uma baixa tributação em seu salário, o que enseja a percepção de maior ganho imediato, frente ao aviltamento dos direitos trabalhistas.

Em contrapartida, as garantias legais são totalmente negligenciadas, tendo em vista que o vínculo é precário e se destoa do que a legislação trabalhista prevê. O trabalhador, na maioria das vezes, possui uma subordinação direta, devendo cumprir horários e regras, porém não há em seu favor qualquer proteção, sendo paga somente sua remuneração, desprovida ainda do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e sujeito a todos os tipos de abusos que podem ser cometidos sem assistência legal.

O reconhecimento desse ilícito destaca-se nos moldes do art. 9º da Consolidação das Leis Trabalhistas, o qual assevera que os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação da lei devem ser declarados nulo de pleno direito.

Nesse sentido, temos alguns julgados do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª. Região:

VÍNCULO EMPREGATÍCIO. CONTRATO DE PESSOA JURÍDICA. “PEJOTIZAÇÃO”. PRINCÍPIO DA PRIMAZIA DA REALIDADE. FRAUDE TRABALHISTA. NULIDADE. Com a edição da Consolidação das Leis do Trabalho, toda prestação de serviço pessoal passou a pressupor a existência de uma relação de emprego típica. Tal relação jurídica integrou o ordenamento jurídico com o objetivo de proteger o contratado hipossuficiente. Assim, a prestação de serviços de natureza diversa (eventual, autônoma, empreitada, etc.) deve ser amplamente comprovada nos autos da ação trabalhista. Esse ônus cabe à empresa reclamada quando ela negar o vínculo empregatício na contestação, consoante artigos 818 da CLT e 373 do CPC. Note-se, ainda, que a Justiça do Trabalho declarou ilegal a contratação de trabalhadores como se fossem pessoas jurídicas. Trata-se de prática chamada de “pejotização”, que visa camuflar a existência de relação de emprego e burlar a legislação trabalhista. (TRT 10ª. Região,  RO n.  0000379-56.2018.5.10.0017, Relator Des. Dorival Borges de Souza Neto, 1ª Turma, Data da Publicação 30/10/2019)

VÍNCULO DE EMPREGO. PEJOTIZAÇÃO. FRAUDE À LEGISLAÇÃO TRABALHISTA. Para a configuração da relação de emprego é imprescindível a verificação, no caso concreto, dos elementos fático-jurídicos que a compõem e que estão elencados nos arts. 2º e 3º da CLT. São eles: trabalho por pessoa física, pessoalidade, onerosidade, não-eventualidade e subordinação. No caso, houve comprovação da relação empregatícia, ante a fraude perpetrada por meio de pejotização. DIFERENÇAS SALARIAIS. COMPENSAÇÃO. INDEVIDA. Tendo a sentença limitado a condenação aos reflexos dos pagamentos realizados à margem dos contracheques e dos valores pagos no período de 13/11/2013 a 29/08/2014 no aviso prévio, férias acrescidas de 1/3, 13º salário, FGTS e multa de 40%, não cabe compensação das horas quitadas pelo efetivo labor.(TRT 10ª. Região, Ron.  0000035-71.2015.5.10.0020, Relatora Des. Elke Doris Just, 2ª Turma, Data da publicação: 04/12/2019)

Houve uma acentuação desse contexto durante a pandemia que continuamos a enfrentar, uma vez que os hospitais de campanha e UPA’s passaram a se comprometer com uma série de empresas interpostas para se livrar da responsabilização trabalhista, bem como, contratam seus prestadores de serviços por meio da consolidação de pessoas jurídicas. Isso foi alvo de notícias e contestações entre as mais diversas categorias profissionais, sobretudo ante o atraso no pagamento de verbas salariais e total ausência de infraestrutura para o exercício das atividades profissionais.

É sempre importante que o trabalhador esteja atento à forma como sua atividade profissional vem sendo desenvolvida, como por exemplo, se há evidências de subordinação; presença de remuneração fixa e mensal; bem como habitualidade, ou seja, uma escala ou rotina designada ao trabalhador, sem a possibilidade de se fazer substituir por outrem. Isso porque, ao identificar a existência de tais elementos, caberá, a depender do caso, a discussão no âmbito judicial acerca do reconhecimento de vínculo empregatício (Fonte: AVB).

Jessika Maria de Souza Rodrigues


[1] Vide reportagem sobre o fato através do link : https://globoplay.globo.com/v/9412001/